8 de janeiro de 2013

GRANDES AUTORES NÃO SURGEM POR ACASO - Bruno Garcia

Granta número 9 - Os melhores jovens autores brasileiros

Rosto cerrado, pernas confortavelmente cruzadas e um microfone na mão. No palco, o escritor, cercado de câmeras, um mediador com grande prestígio acadêmico e um publico interessado nas sabias palavras que apenas a sensibilidade e erudição de um grande autor podem atingir. É falando em feiras literárias e programas de televisão que o literato contemporâneo encontra os sintomas de prestígio que confirmam sua grandeza. O ar pouco carismático sugere a profundidade abissal com que esses seres se debruçam sobre a matéria vida da qual retiram sua inspiração. São sintomas do nosso mundo, celebridades.

E foi pensando neles que a revista Granta publicou contos dos Melhores jovens escritores brasileiros. Traduzidos para inglês e espanhol, o trabalho dos nossos novos autores “chegará a cerca de oitenta mil aficionados da literatura na América Latina, Espanha, Estados Unidos e Reino Unido”, nas palavras dos entusiasmados editores.

Infelizmente, grandes autores não aparecem porque queremos. Um ano antes, em tom profético, o crítico literário da Unicamp, Alcir Pécora, já chamava atenção para a contingência aleatória dos grandes autores e de que “parece não haver nada relevante sendo escrito”. Na altura, Alcir ainda indicava a quantidade de antologias de autores supostamente promissores como indício para se encobrir a absoluta irrelevância do que vem sendo escrito.

Brasil para Inglês ver

Eis que a Granta lança com pompas na Flip, em Paraty, a edição com autores brasileiros. Porém, a coincidência das idades, por si só, não configura ou consagra uma geração. A banalidade e desequilíbrio entre os textos na revista já foram corretamente analisados por Felipe Charbel no caderno do jornal O Globo "Prosa e Verso" na altura. Também não é necessário apontar os parentescos profissionais entre autores, editoras e o nada obscuro mundo do mercado editorial brasileiro, para entender por que alguns nomes apareceram ali. O que parece chamar atenção, pelo menos enquanto sintoma de um ethos contemporâneo é a celebrização do autor. A estratégia narcísica de enfatizar essa persona, a paixão pelo uniforme de artista-profundamente-afetado-pelo-mundo produz, como confirma revista, uma escrita fast food muito pouco convincente.

Escritor de outros tempos, William Faulkner disse em uma entrevista para Paris Review que o artista é um ser perseguido por demônios. E assim traduz, em qualquer que seja sua linguagem, algo que lhe é urgente, decisivo ou fundamental. O caso aqui parece ser exatamente o contrário. Entre os “escritores” da Granta, encontramos antigos profissionais das letras. Acadêmicos, editores e outros obreiros literários que, por conhecerem o universo, se sentem capazes de trocar de lado. Na esperança de que, reproduzindo cacoetes, vocabulários, gestos e fotografias dos seus ídolos, também o façam em fama e texto.

Para ser honesto, a grande maioria me lembra alguns amigos de escola, que nos trabalhos de grupo gostavam de substituir “ter” por “possui” na esperança de que o professor compreendesse sua maior profundidade. Aqui eles já estão crescidos e são capazes de chamar “viagem” de “deslocamento”.

Classificando como jovens, a revista pretende destacar possibilidades, nomes que talvez algum dia possam produzir algo grandioso num futuro. Nada mais falso. Jovens escritores – com diz Alcir – não é categoria de literatura, mas de mercado. E é disso que estamos falando. Uma geração, majoritariamente medíocre, que aconteceu de produzir num período cuja imagem do país é suficientemente digna de venda. Só isso justifica colocar lado a lado ‘escritores de verdade’ como Michel Laub e Daniel Galera, outros, medíocres.

Eis nossos novos representantes. Presentes em canais de televisão de imensa envergadura intelectual, como Multishow e GNT. Comentadores de todo e qualquer assunto, estrelas de feirinhas literárias sofisticadas: vozes depoentes da nossa mediocridade. Fazem de tudo. Menos literatura. São sintoma de uma tendência maior: tudo na literatura importa, menos a literatura. Se espelham, talvez sem saber, no maior dos exemplos por aqui.

Paulo Coelho e o cânone universal

Em agosto de 2012, atacando de crítico literário, o célebre Paulo Coelho resolveu dar pitaco sobre James Joyce. Não sou capaz de imaginar em qual contexto alguém pediria sua opinião sobre algum outro autor. Porém, segundo nosso gênio-celebridade-best-seller-mago, Ulysses, do autor irlandês James Joyce, fez mal à humanidade.

Esqueçam tudo que foi dito, publicado ou influenciado por Joyce. Paulo Coelho concluiu que “não tem nada ali”. O livro teria sido responsável pelo fabuloso hábito dos escritores no século XX em impressionar seus pares. Isso dito pelo autor de dezenas de livros que impressionaram todos. Menos os que gostam de literatura.

Mas Paulo Coelho não é só rancor. Ele também dá exemplo e ensina: “Sou um moderno porque faço o difícil parecer simples, e assim, me comunico com o mundo inteiro”. Ao contrário de Ulysses, que segundo nosso gênio, cabe num tuite, “é só estilo”.

A melhor resposta à pequena polêmica entre Joyce e Coelho foi dada pelo crítico literário britânico Stuart Kelly, que parafraseando o grande Samuel Johnson disse: “uma mosca pode picar um cavalo, mas o cavalo continua a ser um cavalo e a mosca não mais que uma mosca”.

Porém, em um ponto – pasmem – o “escritor” está certo. Na entrevista ele diz que “houve tempo em que era possível aos críticos destruírem um filme ou um livro e isso tinha reflexo direto no público”. De fato isso não mais acontece. Em entrevista para Revista de História a crítica literária Walnice Nogueira Galvão argumenta: “críticos literários, hoje, escrevem romance”. O trabalho do crítico, feito em outros tempos por figuras como Otto Maria Carpeaux, Antônio Cândido e Tristão de Athayde, foi substituído pelos press releases de jornais. Textos supostamente críticos que servem pura e exclusivamente para promover sua venda.

Talvez isso explique um pouco o cenário. O vácuo de critério para selecionar, discutir e promover o que vale a pena ser publicado resulta na fabulosa seleção da Granta ou na promoção de Paulo Coelho como escritor, ou mesmo interlocutor legítimo para falar de literatura. Resulta nessa escrita fraca, repetitiva, romanesca, ou como no caso do nosso mago, em um diário de autoajuda, tudo isso celebrado como o novo da literatura nacional.

Extraído do sítio Revista de História

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