Geração de 30 |
Se nos abalizarmos por uma necessária revisão nos parâmetros de análise dos períodos que se subdividem em Literatura Informativa (1500/1601), Barroco (1601/1768), Arcadismo (1768/1836), Realismo-Naturalismo (1881-1922), poder-se-á decretar o término do Modernismo (1922-1956), com a publicação do livro de Guimarães Rosa, de modo a se instaurar a pós-modernidade a partir da reafirmação do talento de uma geração de autores provindos de Minas Gerais, que se completaria como tríade com Carlos Drummond de Andrade, a dizer que, como ficou chato ser eterno, agora seria pós-moderno.
Todavia, para que se configurasse a modificação do cânon que demarca o início da revitalização do panorama estético no país de Macunaíma, a princípio deveríamos reivindicar alterações por intermédio de títulos e datas que, decerto, antecedem a Semana de Arte Moderna. Tal remodelação do cenário artístico de âmbito literário se alicerçaria, sobretudo, no que concerne ao marco de fundação do Modernismo que precederá toda a arquitetura do revolucionário movimento capitaneado por Mário de Andrade, no bojo do processo de industrialização da Pauliceia Desvairada. Por este raciocínio, sem receio de equivocar-me afirmaria que, apesar de um justificável distanciamento cronológico, duas publicações se responsabilizariam pela introdução da modernidade no país da antropofagia: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis; e Carnaval (1919), de Manuel Bandeira.
A possível justificativa para um intervalo de quase quatro décadas entre a publicação de uma obra e outra pode ser considerada pelo viés do enigma ou fenômeno Augusto dos Anjos que, ao renegar a herança simbolista e parnasiana, por original legitimidade deveria ser o primeiro modernista brasileiro, se acaso conseguisse não se deixar aprisionar pelo processo de metrificação crônica à luz de Baudelaire. Entretanto, sem sombra de dúvida, foi o autor de Eu (1912) o introdutor do chamado espírito modernista ao antecipar o "soco no estômago" da sociedade ao estilo Oswald de Andrade. Destarte, se avaliarmos a repaginação do calendário da literatura, observar-se-á que as Memórias póstumas, ao instaurarem a proposição de modernidade ainda no século 19, relegariam os intelectuais paulistas a uma incômoda segunda geração modernista.
De contestadores da sarcástica e ilustre pena do mestre fluminense Mário de Andrade e Cia se tornariam discípulos do ideário de um Machado de Assis, que fora sumária e maldosamente atirado para escanteio pelos ditos precursores da agitação vanguardista de 22. Ao optar por Lima Barreto, Mário de Andrade que, no arquétipo de Macunaíma, parodia Iracema e Brás Cubas, olvidou-se de reconhecer em Monteiro Lobato um artífice desta estética que se prenunciara com o conto Urupês que, por sinal, contrastaria com a eloquência fragmentada de Memórias sentimentais de João Miramar ao acenar para o esvaziamento do discurso humano, com o “não vê que...” de seu Jeca Tatu, que desaguaria no esboço do vaqueiro Fabiano de Vidas secas e na espinha dorsal da datilógrafa Macabéa de A hora da estrela.
Por esta concepção, não seria errôneo considerar que a denominada Geração de 30, orquestrada por Graciliano Ramos, Jorge de Lima, José Lins do Rego, Rachel de Queirós e Jorge Amado, se enquadraria na terceira prole do Modernismo tupiniquim a ser sucedida pelos prenúncios da pós-modernidade subscritos por Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Octávio de Faria e Lúcio Cardoso na prosa de ficção; e, na perspectiva poética, por Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto. Ave, palavra!...
* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são ‘O enigma Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa).
Extraído do sítio Jornal do Brasil
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