2 de novembro de 2012

PRENÚNCIOS DA PÓS-MODERNIDADE - Wander Lourenço

Geração de 30
No centenário do esquecido autor que influenciara Clarice Lispector, não sem razão há quem assevere a plenos pulmões que o ficcionista Lucio Cardoso, ao publicar a sua obra-prima Crônica da casa assassinada, em 1959, permaneceu às margens da história da literatura brasileira, por culpa do aparecimento de Grande sertão: Veredas, que vem à tona três anos antes no cenário pátrio, a se referendar como um divisor de águas da prosa de ficção moderna. 

Se nos abalizarmos por uma necessária revisão nos parâmetros de análise dos períodos que se subdividem em Literatura Informativa (1500/1601), Barroco (1601/1768), Arcadismo (1768/1836), Realismo-Naturalismo (1881-1922), poder-se-á decretar o término do Modernismo (1922-1956), com a publicação do livro de Guimarães Rosa, de modo a se instaurar a pós-modernidade a partir da reafirmação do talento de uma geração de autores provindos de Minas Gerais, que se completaria como tríade com Carlos Drummond de Andrade, a dizer que, como ficou chato ser eterno, agora seria pós-moderno. 

Todavia, para que se configurasse a modificação do cânon que demarca o início da revitalização do panorama estético no país de Macunaíma, a princípio deveríamos reivindicar alterações por intermédio de títulos e datas que, decerto, antecedem a Semana de Arte Moderna. Tal remodelação do cenário artístico de âmbito literário se alicerçaria, sobretudo, no que concerne ao marco de fundação do Modernismo que precederá toda a arquitetura do revolucionário movimento capitaneado por Mário de Andrade, no bojo do processo de industrialização da Pauliceia Desvairada. Por este raciocínio, sem receio de equivocar-me afirmaria que, apesar de um justificável distanciamento cronológico, duas publicações se responsabilizariam pela introdução da modernidade no país da antropofagia: Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis; e Carnaval (1919), de Manuel Bandeira. 

A possível justificativa para um intervalo de quase quatro décadas entre a publicação de uma obra e outra pode ser considerada pelo viés do enigma ou fenômeno Augusto dos Anjos que, ao renegar a herança simbolista e parnasiana, por original legitimidade deveria ser o primeiro modernista brasileiro, se acaso conseguisse não se deixar aprisionar pelo processo de metrificação crônica à luz de Baudelaire. Entretanto, sem sombra de dúvida, foi o autor de Eu (1912) o introdutor do chamado espírito modernista ao antecipar o "soco no estômago" da sociedade ao estilo Oswald de Andrade. Destarte, se avaliarmos a repaginação do calendário da literatura, observar-se-á que as Memórias póstumas, ao instaurarem a proposição de modernidade ainda no século 19, relegariam os intelectuais paulistas a uma incômoda segunda geração modernista. 

De contestadores da sarcástica e ilustre pena do mestre fluminense Mário de Andrade e Cia se tornariam discípulos do ideário de um Machado de Assis, que fora sumária e maldosamente atirado para escanteio pelos ditos precursores da agitação vanguardista de 22. Ao optar por Lima Barreto, Mário de Andrade que, no arquétipo de Macunaíma, parodia Iracema e Brás Cubas, olvidou-se de reconhecer em Monteiro Lobato um artífice desta estética que se prenunciara com o conto Urupês que, por sinal, contrastaria com a eloquência fragmentada de Memórias sentimentais de João Miramar ao acenar para o esvaziamento do discurso humano, com o “não vê que...” de seu Jeca Tatu, que desaguaria no esboço do vaqueiro Fabiano de Vidas secas e na espinha dorsal da datilógrafa Macabéa de A hora da estrela.

Por esta concepção, não seria errôneo considerar que a denominada Geração de 30, orquestrada por Graciliano Ramos, Jorge de Lima, José Lins do Rego, Rachel de Queirós e Jorge Amado, se enquadraria na terceira prole do Modernismo tupiniquim a ser sucedida pelos prenúncios da pós-modernidade subscritos por Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Octávio de Faria e Lúcio Cardoso na prosa de ficção; e, na perspectiva poética, por Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto. Ave, palavra!... 

* Wander Lourenço de Oliveira, doutor em letras pela UFF, é escritor e professor universitário. Seus livros mais recentes são ‘O enigma Diadorim’ (Nitpress) e ‘Antologia teatral’ (Ed. Macabéa). 

Extraído do sítio Jornal do Brasil

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.