13 de novembro de 2012

MIA COUTO E SEUS SEDUTORES "CAUSOS" NO FRONTEIRAS DO PENSAMENTO - Milton Ribeiro

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

O título desta matéria leva certo jeito de crítica; afinal, espera-se consistência num evento do porte do “Fronteiras do Pensamento”; mas não é verdade. O escritor moçambicano Mia Couto efetivamente dedicou-se a vários assuntos sem ater-se muito a nenhum deles, porém seria uma desonestidade deste comentarista se ele negasse que saiu muito satisfeito — assim como a imensa maioria do público — da palestra de ontem à noite. Tímido, afirmando não ser “uma pessoa de palco”, Mia Couto iniciou seu discurso comentando o próprio título da série de conferências, afirmando que “o pensamento não tem fronteiras, ele existe para rivalizar com o sonho”. Depois, passou a refletir sobre as diversas noções da palavra fronteira, indo desde a liberdade de pensamento e expressão até a noção bélica da palavra, passando por George Bush e sua luta contra os fantasmas das armas de destruição em massa logo após a fronteira, a qual escondia outros interesses.

Depois, sentindo a simpatia da fãs que estavam lá para ouvi-lo com admiração, abandonou a leitura de suas folhas e passou a contar uma série de histórias vividas por ele no Brasil e com brasileiros. Mesmo mantendo uma postura retraída, o moçambicano optou pela diversão e é inegável que foi muito bem sucedido — trata-se de um tremendo contador de histórias — ao explicar suas confusões com uma série de palavras de uso diferente em Moçambique e no Brasil, casos de bala, camisola e rapariga. Mudando o tom, foi enorme e consistentemente poético ao descrever sua chegada dias atrás ao Recife, “foi como se tivesse pousado nas páginas de João Cabral de Melo Neto”. Voltando à questão das fronteiras, o escritor observou que todas as propagandas de salões de beleza no nordeste brasileiro apresentam fotos de mulheres loiras, altas e esguias, apesar de ele não ter visto nenhuma mulher que aderisse ao modelo, o que fez pensar na inútil fronteira existente entre o corpo sonhado e a realidade.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Depois, falou sobre como o exercício da zanga é impossível no Brasil, pois muitos de nós reagimos amorosamente mesmo à hostilidade alheia. (Esta afirmativa era um paradoxal eco a um fato ocorrido no próprio evento, pois, após a oportuna e tradicional Saudação Musical — dez minutos com o belo Quarteto de Cordas Nº 1 de Villa-Lobos — , a plateia tentara e conseguira interromper com aplausos e apupos a injustificadamente longa peroração da professora Jane Tutikian, apresentadora da noite).

Mia também defendeu o uso das palavras de significado claro, preciso e pesado, afirmando que a escolha das palavras não garante o discurso tolerante. Foi mais longe e atacou: “o “politicamente correto é um crime contra nossa língua e originalidade”.

No leque de temas tocados de forma rápida e leve, o escritor contou o caso de um improvisado tradutor brasileiro que, numa palestra ocorrida na França, ouviu uma pergunta de 10 minutos da parte do entrevistador de Mia Couto. A pergunta era extremamente complexa, algo a respeito de globalização e das possíveis resistências dos pobres países pobres à mesma. O tradutor brasileiro, com a maior cara-de-pau, fizera a tradução em exata consonância com sua exasperação: “Mia, não entendi porra nenhuma. Inventa qualquer merda”. Depois mais sério, falou de seus livros, contra a ideia do exotismo africano — normalmente cultivado por quem desconhece a pobreza e os dramas do continente — e sobre uma guerra de 16 anos que não deixou troféus.

Nos mais consistentes momento da noite, Mia Couto falou na influência do Brasil e da África sobre a língua portuguesa, na persistente utilização da língua do colonizador para expressar a cultura colonizada e no tanto de plasticidade e vivacidade que foi acrescentado ao português ibérico, o que consistiria em uma operação poética de porte. Também criticou os brasileiros no sentido de que nosso país costuma olhar para cima (para os EUA) e muito pouco para os lados. Já em Moçambique, apesar das limitações, há grande curiosidade pelo Brasil, principalmente por sua música e… novelas.

Nas perguntas finais, Jane Tutikian cometeu novo equívoco. Ao vir com um pacote de perguntas encadeadas, desconsiderou uma resposta de Mia Couto, que negava veementemente a premissa da pergunta anterior, e seguiu perguntando: “Na esteira desta pergunta…”. O escritor reagiu de forma cortês, negando a premissa com outras palavras.

Apesar disso, foi uma noite agradável, comandada por um pensador de alto nível dedicado a generalidades. A justificava para a postura de Mia Couto deve ser encontrada num trecho de sua fala, onde ele reclamava do fato de que “algumas pessoas pensam que um escritor está habilitado a falar sobre quaisquer assuntos, mormente os econômicos, quando estamos 100% habilitados somente para falar sobre ficção e poesia”.

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

E, na manhã desta terça-feira (13), no momento em fechamos esta matéria, Mia Couto fala a três mil crianças no Araújo Vianna, dentro do Fronteirinhas:

Foto enviada para o Sul21 por Francisco Marshall, diretamente do Araújo Vianna.

Joana Bosak com o microfone para as perguntas das crianças | Foto: Francisco Marshall

Extraído do sítio Sul21

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.