19 de setembro de 2012

MUTARELLI, NOLL E LOYOLA BRANDÃO EM CONVERSAS EMOCIONANTES - Alexandre Gaioto

De arrepiar, a história. Era para ser uma homenagem a um professor, mas foi além. Exposto, ali, na frente de mais de 300 pessoas, o talento narrativo de Ignácio de Loyola Brandão. Que pediu a fala, antes da conversa começar, lembrando que era péssimo em matemática, e estava deixando Araraquara, rumo a São Paulo: impedido, apenas, se o professor não desse uma mãozinha na nota.

Ruim de cálculos e expressões matemáticas, Loyola Brandão precisaria de 97 para passar de ano e terminar os estudos. Pediu uma mão ao professor, que sugeriu um desafio. Resolvesse, na frente de todos os colegas, uma expressão matemática dificílima.

Mutarelli no palco da Semana Literária: autor destacou o preconceito que há contra os quadrinistas. Foto: João Cláudio Fragoso
"Aquilo era assustador. Nem os nerds entendiam. Peguei o giz, fui para o quadro negro e tentei. Coloquei ali tudo o que me vinha à cabeça. Seno, cosseno, tangente, o símbolo do infinito, que é aquele oito deitado, mais a raiz quadrada de pi, aquilo estava uma loucura. E na frente daquela mocinhas, com os joelhos à mostra, aqueles decotes. Os alunos não entendiam nada.

No fim, quando terminei de resolver a expressão, que não tinha lógica alguma, fui conversar com o professor. E ele me deu 100. Passei de ano. Perguntei a razão. E ele me disse: ‘Cem pela criatividade. Cem pela coragem. E cem pela imaginação’. Aquele professor conseguiu ver que eu não tinha nascido para os números. Mas que eu tinha nascido para a imaginação. E até hoje, neste 10 de setembro, estou vivendo da minha imaginação", contou o autor de "Zero".

A história, reproduzida aqui concisamente, era ainda mais vibrante e lírica, obviamente, nas palavras do escritor. Os olhos de muitos leitores, naquele momento, naufragados em lágrimas. Era o aviso: aquele Semana Literária do Sesc, só para corações fortes.

Loyola Brandão deu show. Arrancou gargalhadas, contando casos de cerceamento à liberdade de expressão, durante o regime ditatorial. Ao seu lado, Marina Colasanti entrou na dança - ou melhor, na música. Declarou-se fã de bolero e soltou a voz, quem diria, para cantar "Amado Mio", trilha do filme "Gilda", dos anos 40. Um dueto antológico.

No encontro com Lourenço Mutarelli, que veio a Maringá pela primeira vez, uma centena de leitores compareceu. A conversa foi saborosa, com histórias de gargalhar e revelações inéditas. Mutarelli reconheceu, pela primeira vez, uma diferença entre seus quadrinhos e literatura. Nos quadrinhos, Mutarelli faz referências explícitas a filósofos -chega a citar trechos de Sartre, retoma compositores clássicos e ícones da música.

Na literatura, essas referências são tímidas, discretas. "Nunca havia pensado nisso", respondeu o autor. Após uns segundos, explicou. "Na literatura, meus personagens são medianos. Não têm essas referências. Nos quadrinhos, estou livre para citar filósofos e o que eu quiser". Ao reconhecer a diferença, Mutarelli já diz muito sobre a dificuldade de coordenar o narrador nas tramas dos quadrinhos e romances.

Na conversa, o autor de "O Cheiro do Ralo" falou sobre o preconceito que há contra os quadrinistas e reconheceu que se "O Cheiro do Ralo" fosse escrito em álbum de quadrinhos, e não em romance, a obra não faria tanto sucesso - nem teria despertado o interesse das pessoas para transformar a narrativa em longa metragem.

"Nunca ninguém quis filmar meus quadrinhos. Mas quando comecei a escrever romances, as pessoas gostaram. Se ‘O Cheiro do Ralo’ fosse um álbum de quadrinhos, não teria feito o sucesso que fez", declarou.

Com João Gilberto Noll e Luis Henrique Pellanda, um papo de primeira. O público foi conciso: apenas 50 pessoas. Mas lembro de assistir uma mesa com Noll, em Curitiba, e de ter apenas metade do público que compareceu em Maringá. Noll conversou sobre sua prosa poética, mostrou-se devoto de Clarice Lispector e retomou pensamentos de Marcuse, Aristóteles e outros teóricos: um lírico academicamente bem embasado.

Com uma fala cheia de pausas e vazios, falou sobre a importância do silêncio em sua obra. "Escrevo sobre o que as pessoas não querem ler. Escrevo sobre os assuntos varridos para debaixo do tapete, os temas que são silenciados", refletiu.

Quanto ao seu personagem errante, sujeito contemporâneo, clivado, dividido, sem passado nem futuro, Noll fez algumas reflexões. "Esse personagem só morre quando eu morrer".

Quando Chico Buarque escreveu "Estorvo", alguns críticos disseram que a prosa buarquiana estava semelhante demais ao estilo de Noll. O mesmo personagem errante, andando sem direção, carregando uma mala misteriosa, fugindo de um grupo de pessoas. Seria plágio? Há mesmo coincidência tamanha entre dois romancistas contemporâneos num mesmo País? A curiosidade nunca bateu em Noll. Manteve distância, não deu ouvidos ao papo alheio, nem quis tirar suas próprias conclusões.

"Já escreveram, realmente, que o livro dele é parecido com o meu. Nunca quis saber. Nunca tive curiosade de ler o livro", comentou.

Reunindo autores canônicos e nomes que estão em processo de canonização, a Semana promovida pelo Sesc foi arrebatadora. Loyola, Mutarelli e Noll em apenas cinco dias: uma semana histórica, entre lágrimas e gargalhadas.

Extraído do sítio Viva Maringá

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