7 de setembro de 2012

E A BIENAL FALIU! - Raphael Amaral

Contas bloqueadas, dependência do setor financeiro, a Fundação Bienal irá superar mais essa crise?

Fundação Bienal de São Paulo/Mirafilmes/Leo Eloy
Em setembro de 2012 a Bienal de Artes de São Paulo comemora sua 30.ª edição. O evento, entretanto, chama a atenção menos por suas celebrações, mas, sobretudo, pela grave crise em que se encontra a Fundação Bienal. 

Na obra As Bienais de São Paulo (Boitempo Editorial), o historiador e crítico de arte Francisco Alembert e a pesquisadora Polyana Canhête já demonstram que uma das características da história da Fundação é a permanência de turbulências. Tanto que, em 2001, durante as comemorações dos 50 anos da Bienal de Artes, Sheila Leirner, uma das principais críticas de arte do Brasil, ex-curadora da Bienal de Artes, já afirmava que “de crise em crise, a instituição ressurgiu sempre como uma fênix para, a cada 24 meses e mesmo com intervalos, despertar novas discussões”. Inegável!

A Bienal conseguiu renovar os parâmetros da discussão e da produção dos principais polos artísticos do Brasil, mantendo-se como uma das principais instituições culturais nacionais em meio ao fervor criativo e inovador das décadas de 50 e 60, mantendo-se viva em meio à Ditadura Militar, e até hoje desempenhando o papel de manter o país no circuito internacional das artes.

Entretanto, a situação atual da “fênix” é consideravelmente mais delicada que em outras ocasiões. Desde sua fundação será a primeira vez que a Fundação Bienal de São Paulo não será a responsável pela realização do grande evento artístico. O motivo: a instituição teve suas contas bloqueadas!

A Fundação de São Paulo foi declarada inadimplente no mês de janeiro, num processo da Controladoria Geral da União (CGU) com questionamentos sobre 13 convênios firmados pela instituição paulistana entre 1999 e 2007 (período de Carlos Bratke e Manoel Pires da Costa na presidência da entidade), sendo impedida de operar os recursos obtidos por meio da Lei Rouanet. Os R$ 12 milhões que já haviam sido captados pela Bienal antes de suas contas terem sido bloqueadas serão transferidos para o novo proponente (o Museu de Arte Moderna de São Paulo). A mostra tem orçamento estimado entre R$ 20 milhões e R$ 21 milhões. O Ministério da Cultura (MinC) ainda afirmou que a solução não leva à interrupção dos processos de prestação de contas em andamento.

Dessa forma, para o ano de 2012, o MinC, gerido pela polêmica ministra Ana de Hollanda, confirma a escolha do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) para ser a instituição realizadora da 30.ª Bienal de São Paulo (com inauguração em setembro).

Quando os empresários mecenaram a cultura

Não é a primeira vez que o MAM-SP sedia o evento. Quando o empresário Francisco Matarazzo Sobrinho (“Ciccillo” Matarazzo) cria a Bienal de São Paulo foi criada, em 1951, o Museu de Arte Moderna (localizado, na época, na Rua 7 de Abril) era a sede do evento. O Museu também havia sido criado por Matarazzo, em 1948, e foi uma das primeiras instituições de produção artística modernista no país. Tanto que o título da exposição, em 1951, foi “Primeira Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo”. Desde a Semana de Arte Moderna (1922) não ocorria algo tão impactante no país! Na mesma semana da inauguração, o crítico Sérgio Millet defendeu que a Primeira Bienal de Arte Moderna em São Paulo “assinala a elevação da pequena e provinciana cidade de 30 anos atrás à categoria de Capital Artística do País.”

Porém, em 1962, após a realização da 6ª Bienal de Artes, “Ciccillo” Matarazzo funda a Fundação Bienal de São Paulo (autônoma em relação ao MAM-SP) que passa a ocupar o terceiro piso do Pavilhão Armando Arruda Pereira, no Parque do Ibirapuera. A ruptura entre as instituições ocorreu em 1963, quando Matarazzo extingue a sociedade que sustentava o MAM-SP e realiza uma controversa doação de todo o patrimônio, incluindo o acervo, à Universidade de São Paulo, para a criação do Museu de Arte Contemporânea da USP. Passado quatro décadas, a realização da Bienal de Artes retorna, em 2012, aos cuidados do Museu.

Os bancos se divertem

Quando do anúncio do MinC sobre a instituição que realizará a 30.ª Bienal de São Paulo, a presidente do MAM-SP, Milú Villela, manifestou prontamente sua imensa satisfação. As outras instituições preteridas foram o Instituto Tomie Ohtake e a Pinacoteca do Estado. Sendo uma das personagens mais evidentes das artes visuais em São Paulo, Milú Villela preside também o Itaú Cultural e é vice-presidente da ITAÚSA (holding que, entre outras corporações, controla o Itaú Unibanco Banco Múltiplo), empresa da qual é a maior acionista individual. De acordo com o ranking de bilionários elaborado pela revista Forbes de 2011, Villela é detentora de uma riqueza de 2 bilhões de dólares. No ano 2000, em meio à tumultuada realização da 25.ª Bienal e à oscilação de gestores, a empresária tentou se candidatar à presidência da Fundação (da qual fazia parte do conselho gestor). Malograda, retirou-se da instituição no final do mesmo ano.

Talvez haja mais elementos em jogo na opção pelo MAM que simplesmente a “maior tradição dessa instituição” (conforme afirmou o Assessoria de Comunicação do MinC). Por exemplo, em janeiro de 2011, durante a reinauguração da Biblioteca Mário de Andrade (Centro de São Paulo), a já então criticada ministra da Cultura Ana de Hollanda se encontrou com Milú Villela. Esta se comprometeu a realizar encontros da ministra com empresários e agentes da cultura de São Paulo. Coincidentemente, de 2011 para cá apenas se intensificaram as criticas sobre a maneira como a “irmã do Chico” conduz o MinC, entretanto ela permanece no cargo.

Mais do que uma hipotética troca de favores, entretanto, a escolha pelo MAM-SP para a realização da 30.ª Bienal de São Paulo reflete o estado atual das artes: um controle cada vez mais despudorado das grandes corporações sobre o mundo artístico. “O apoio de Milú Villela [...] e dos seus colaboradores, será vital para garantirmos a continuidade da Bienal”, afirmou Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, reconhecendo os benefícios pragmáticos da inserção do MAM-SP.

Arte comercializada por quilo

Por mais amplo e diverso que seja o mundo das artes visuais, as instituições financeiras e suas respectivas corporações ainda conseguem moldar o que deve ter relevância, ser considerado como arte, receber o tão almejado reconhecimento em espaços de exposição, o devido retorno monetário, etc. Trata-se de um momento em que o Mercado da arte tem mais visibilidade que a Arte em si. Estabelece-se uma relação sobre a arte onde mais importante é quanto fale o produto, não o que é ou o que ele diz. Não importa o que seja produzido, desde que alguma coisa seja produzida, valorizada e comercializada.

A SP-Arte é um sintoma dessa situação. Criada em 2005, essa feira de arte é um dos principais indicadores do mercado de arte no Brasil, sendo que somente em 2011 movimentou R$ 39 milhões no comércio de obras de arte. Os montantes pelos quais as obras de arte são comercializadas chamam mais atenção que o nome dos artistas e seus conceitos. Ela ocorre exatamente no Pavilhão da Bienal, gerando um óbvio questionamento: num universo artístico que se pauta pela movimentação de valores milionários, qual seria a relevância de uma instituição que não consegue pagar as próprias contas? Seria a de existir meramente um espaço físico para o comércio da SP-Arte?

No meio aos problemas das finanças, fica também em aberto se a Fundação Bienal solucionará em algum momento sua crise identitária. Suas últimas megaexposições voltadas a uma determinada “’massa’ de espectadores-consumidores de arte contemporânea” (nos termos do professor Alembert) vem ganhando mais notoriedade por conta de complicações geradas ou por um conservadorismo bem confuso (que afirma o caráter artístico da pixação, ao mesmo tempo em que manda prender pixadores, por exemplo), ou então, por certa dependência crônica de vanguardismos contemporâneos, notabilizando algumas produções tão polêmicas quanto vazias... O que fazer quando uma vanguarda de urubus é o máximo que há para ser oferecido como estímulo na renovação da discussão sobre arte?

Ano após ano, faz-se extremamente atual o alerta da historiadora e crítica de arte Aracy Amaral: “A Bienal é um marco na arte brasileira contemporânea, que deve a ela muito de seu processo de internacionalização. Mas hoje nos perguntamos qual a diferença de uma Bienal e uma grande feira de arte”.

* Raphael Amaral é formado em História pela USP, professor de História e História da Arte em cursos pré-vestibulares e já participou de projetos de mídias sociais.

Extraído do sítio Brasil de Fato

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