12 de agosto de 2012

HERMANN HESSE: FORA DA ACADEMIA, MAS NO CORAÇÃO DO LEITOR - Mirela Tavares


Hermann Hesse foi um dos autores estrangeiros mais lidos no Brasil nas décadas de 60 e 70. O estudo da sua obra no meio acadêmico nacional, no entanto, não corresponde a sua popularidade. Ainda assim, é um escritor muito indicado informalmente, principalmente para seduzir novos leitores ao universo da literatura.

Em um período marcado pelo movimento Hippie e a chamada Contracultura, Hesse habitava corações e mentes, principalmente dos jovens. Seus livros eram facilmente encontrados nas casas, espalhados sobre a mesa, ao lado da cama ou mesmo em bordas de piscina. "Todo intelectual daquela época lia Hesse", garante a professora de Filosofia, ex-docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marisa Zanirato, ela mesma uma leitora assídua do escritor.

Mesmo com a ampla aceitação entre o público e por parte dos seus críticos, Hesse era e ainda é pouco estudado nas faculdades, apesar da existência de trabalhos significativos sobre ele. As análises e as discussões sobre sua importância literária estão limitadas basicamente às temáticas de disciplinas referentes à literatura alemã.

Os motivos que deixam o autor fora dos muros dos programas de ensino formal não são tão evidentes. Para a professora Marisa, o próprio modelo universitário brasileiro restringe abordagens sobre muitos autores, tanto estrangeiros quando nacionais. "É uma estrutura que acaba por definir sem critérios claros quem são e quem não são os grandes escritores a serem estudados", afirma.

Contracultura e ditadura militar

Vale lembrar do contexto sociopolítico no período de auge do interesse por Hesse no Brasil, após a sua morte em 1962. Depois da ditadura militar instalada no país em 1964, foram duas décadas marcadas por perseguições e repressões a tudo que se opunha ao regime. Com livros que fortaleciam os discursos de jovens da Contracultura e do movimento Hippie, questionando valores ocidentais, alimentando protestos libertários e buscando transformar a sociedade, Hesse não deveria ser a melhor indicação para programas acadêmicos.

Ainda assim, seus livros nunca pararam de ser editados e a sua popularidade sempre se manteve em alta. Já nas universidades, apesar de poucos, os estudos que usam Hesse ou seus livros como objetos de análise têm contribuído para enriquecer, disseminar e motivar novas pesquisas sobre o autor.

Um dos trabalhos mais completos é a dissertação apresentada em 2007 à Faculdade de Ciências e Letras de Assis da Unesp "Um Lobo nos Trópicos: a Recepção Crítica de Hermann Hesse no Brasil (1935-2005), que avalia a importância dada pelos críticos brasileiros à literatura hesseana. O autor, hoje professor João Paulo Francisco de Souza, descreve a dificuldade ainda existente de encontrar fontes acadêmicas sobre o escritor, apesar dos levantamentos bibliográficos demonstrarem a grande quantidade de obras já traduzidas no país desde a primeira edição de O Lobo da Estepe, em 1935, publicada pela Editora Cultura Brasileira, com tradução de Augusto de Souza.

"Havia, portanto, uma desproporção entre a difusão de Hesse no Brasil e a relativa escassez de sua fortuna crítica", relata Souza. Ele encontrou registros na imprensa do final da década de 60 que apresentam grande afinidade dos jovens com o escritor, destacando-o entre os mais lidos conforme notas publicadas pela revista Veja.

O professor João Paulo Francisco de Souza é um dos conhecedores de Hermann Hesse no Brasil (swissinfo)
A leitura espontânea sobre o autor

Hoje, aos 31 anos, Souza não só continua interessado pelos livros de Hesse como é um dos seus grandes propagadores. Coordenador do Centro Estadual de Educação de Jovens e Adultos Professora Sebastiana Ulian Pessine (CEEJA), em Marília (SP), ele também é responsável pela coordenacão de oficinas culturais em que procura sempre usar o escritor como atrativo ou estímulo para o aprofundamento do hábito de ler. "É preciso dizer que mesmo sem estarem incluídos em programas pedagógicos, livros como Sidarta e Demian estão disponíveis nas salas de leitura de escolas estaduais", ressalta.

Bem documentada, a pesquisa de Souza tem servido como referência para outros trabalhos, como o de Mariana Silva Campos de Almeida. Ao final do curso de pós-graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ela apresentou a dissertação "Uma Análise de Debaixo das Rodas de Hermann Hesse: os acréscimos pelo tradutor", em que compara a tradução brasileira com o original em alemão Unterm Rad.

A escolha do autor por Mariana se deu por motivos pessoais. "Eu tinha fácil acesso à biblioteca do meu avô e Hesse foi a minha primeira referência quando comecei a estudar alemão", conta. Para ela, realmente falta bibliografia acadêmica sobre as obras dele, tanto que teve de recorrer a acervos americanos durante o desenvolvimento da sua pesquisa. Ainda assim, ela acredita ser difícil alguém que entra em contato com um livro de Hesse não ler, pelo menos, um segundo.

O professor de Psicologia Victor Tinoco Delgado se interessou tanto pela obra do escritor que junto com Luiz Eduardo da Silva e Souza, seu então professor na Universidade Federal Fluminense (UFF), no Rio de Janeiro, escreveu o artigo "O percurso de Sidarta e o problema da identidade. Um estudo transdisciplinar do romance de Hermann Hesse". Publicado pela Revista da Universidade de São Paulo (USP), em 2008, o texto toma o romance Sidarta como fio condutor para discutir a questão da identidade pessoal, buscando articular a perspectiva psicológica de Carl Gustav Jung com as abordagens histórico-etnológicas de Mircea Eliade e Joseph Campbell.

Assim como Mariana, Tinoco conheceu Hesse por meio da leitura espontânea, mas viu na obra do escritor uma oportunidade de aprofundamento no meio acadêmico. "O primeiro livro dele, eu peguei emprestado por acaso com uma amiga e a partir daí passei naturalmente a me interessar pelos demais", conta.

Referência como iniciação à literatura

Mas o caminho contrário também existe. No Colégio Antônio Veira, na capital baiana, Salvador, a professora Ana Paula Marques reconhece a ausência formal de Hesse nos programas pedagógicos. Coordenadora do departamento de Língua Portuguesa e Literatura, ela explica que as turmas do Ensino Médio (antigo colegial) que poderiam ler Hesse com mais facilidade são orientadas para os autores exigidos nos vestibulares. "Ainda assim, Hermann Hesse é indicado informalmente como elemento de sedução para iniciação à literatura", afirma.

A estratégia parece ser usada também em colégios de São Paulo. Há dez anos, a publicitária paulista Adriana Ronchi recebeu de um professor a indicação para lerSidarta. Hoje, aos 26 anos de idade e cursando Ciências Sociais, ela tem O Lobo da Estepe como livro de cabeceira, além de ter lido Gertrud, Demian e O jogo das contas de vidro. "O mundo literário é muito vasto, porém percebo que alguns tipos de literatura são minimizados na escola ou na faculdade se não fazem parte de provas de vestibular", diz.

Tendo Hesse como autor preferido, Adriana lamenta por ele não fazer parte de programas formais da academia. Ela destaca a importância de como ele descreve seus personagens e a maneira que apresenta os conflitos pessoais mediante a formação da personalidade do indivíduo. "Para mim, mais do que um literário, Hermann Hesse se mostrou um ser humano de extrema sensibilidade, que por meio dos seus livros nos leva sempre a uma visão fantástica do mundo."

Os anos de Hermann Hesse no Ticino

Hermann Karl Hesse foi um poeta, romancista e pintor suíço, de origem alemã. Depois de passar seus primeiros anos entre a Suíça e a Alemanha, ele finalmente finca raízes no cantão do Ticino, no sul da Suíça, onde escreve seus romances mais populares. Veja vídeo aqui

Extraído do sítio Swissinfo.ch

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