4 de setembro de 2012

TAKUBOKU ISHIKAWA: LEITO DE PEDRAS E LIRISMO - Francis Kurkievicz

O poeta Takuboku Ishikawa teve uma vida mais curta que a métrica do tanka – 27 anos contra 31 sílabas. Mesmo assim, cem anos depois de sua morte, é um poeta longevo e ainda hoje admirado.


No aniversário de morte do poeta japonês Takuboku Ishikawa, foram poucos os que se lembraram dele. Ao menos cá em terras guaranis. Quiçá a lembrança de seu nascimento seja por nós tão celebrada quanto a sua poesia.

Ishikawa, terceiro dentre quatro filhos do abade Ittei e sua esposa Katsu, nasceu Hajime em Hinoto, província de Iwate, nordeste do Japão, no dia 27 de outubro de 1885, no templo budista Jou-Kou-ji. Tendo falecido de tuberculose em Tóquio, em 13 de abril de 1912, deixando um pequeno grupo de admiradores e amigos, entre eles Natsume Soseki, Shorei Morita, Gyufu Soma, Tomei Hitomi, Mokutaro Kinoshita, Hakushu Kitahara, Nobutsuna Sasaki, Zenmaro Toki, Akiko e Tekkan Yosano.

O período em que a vida de Ishikawa se deu conheceu muitas transformações senão radicais no mínimo intensas: abertura dos portos ao comércio, industrialização, urbanização, intercâmbio cultural, sotaques, imigração, circulação de idéias socialistas, capitalistas, anarquistas, revolucionárias, malditas, etcaetera e tal, um momento histórico em que o mundo tradicional japonês era invadido pela mundaneidade importada Made in ocidente, onde o homem contemplativo (rural, bucólico, alcoólico) era oprimido pela solidão urbana, onde a modernidade pavimentava as ruas de Tokyo com suas paixões irônicas e desejos contraditórios. Ishikawa foi um destes poetas atingido em cheio pelas indigentes questões modernas.

Ambicioso, encontrou nas letras a força para superar a sua mediocridade sertaneja, a sua inabilidade fabril, o saudosismo infantil, a consciência da desgraça material e espiritual. Hajime Ishikawa, antes de se consagrar Takuboku (pica-pau) assinou tankas e prosas como Suikou, Hakuhin em revistas como Mikazuki, Niguitama,Samidare, Iwate Nippou, Myoj, Shou Tenti,escrevendo mais que crioulo doido.Perseguiu o sucesso literário como um cão persegue um osso imaginário. E vida de cão Ishikawa teve como nenhum cão teve. A existência miseranda, de extrema penúria, atormentada por enfermidades, desgraças familiares, forjou o estilo direto e simples de sua escrita, atitude de quem vive a vida em sua mais densa realidade. E foi esta sinceridade sem disfarces, desprovida de recursos retóricos que ganhou a receptividade do povo japonês, tão acostumado aos sortilégios da vida cotidiana.

O professor de Literatura Kensuke Tamai, entre outros estudiosos, compilou em 17 volumes a obra completa de Ishikawa para a Editora japonesa Iwanami entre os anos de 1953 e 1954, legando ao mundo uma coleção de escritos organizados, onde se podem encontrar desde poesias em versos livres, bem como tankas, romances, críticas literárias, panfletos e diários pessoais. Alguns estudiosos afirmam que a fama posterior de Ishikawa supera a sua obra, pois metade do que escreveu deixa muito a desejar, porém encontram-se em seus textos, sobretudo nos tankas, as pistas para compreender o seu sucesso tardio (e também a sua personalidade): simplicidade da escrita (com abundância de hiraganas); lirismo carregado de realidade significativa; recitativo fácil de memorizar; texto com apelo narrativo que provoca a identidade direta entre autor e leitor; musicalidade; ritmos e cores da vida cotidiana; alegrias desesperadamente tensas; angústia e desespero do homem moderno; pobreza inquietante; memória da terra natal; solidão voluntária e involuntária.

Takuboku Ishikawa não conheceu o sucesso em vida, apenas a miséria e o labor insano. O sucesso e reconhecimento literário, mesmo depois da morte, tardou a despontar como o sol no inverno. Ishikawa é um destes poetas que já nascem póstumos, para os quais nem sucesso e nem vida são possíveis. Mas como dizia meu saudoso avô: “…e eu lá quero saber dos poetas, eu quero é a poesia, esta indomável entidade que se apossa de nossos corpos para se autorrealizar, e depois de manifesta nos descarta, nos gospe de volta à vida insólita e preterida”.

Se a poesia não nos pertence, o que resta ao poeta, então?

Tankas: Tradução e versão de Ayuko Sakanoue e Francis Kurkievicz.

1.

マチ擦れば
二尺ばかりの 明るさの 中をよぎれる
白き蛾のあり

Machi sureba
Nishaku bakari no akarusa no naka wo yogireru
shiroki ga no Ari

Fósforo aceso.
No círculo de luz
uma mariposa branca
Acende a escuridão.

2.

病のごと
思郷の心 湧く日なり
目に青空の 煙悲しも

Yamai no goto
Shikyō no kokoro waku hi nari
Me ni aozora no kemuri kanashimo

Como água na fonte, hoje jorra a tristeza.
Da terra natal, sou saudades.
Fumaça no céu azul nos olhos se reflete.

3.

糸切れし 凧のごとくに
若き日の 心かろくも
飛び去りしかな

Ito kireshi tako no gotoku ni
Wakaki hi no kokoro karokumo
tobi-sarishi Kanã

Foi-se embora, leve e solta,
Como pipa cuja linha se rompeu,
Meu jovem coração, jovem.

* Francis Kurkievicz é filósofo, escritor e roteirista, formado em Filosofia pela UFPR, pós-graduado em Yoga pela UNIBEM e MBA em Gestão e Produção de RTV pela UTP. Mora em Vitória, Espírito Santo.

Extraído do sítio Jornal Memai

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