6 de setembro de 2012

CENTENÁRIO DE JORGE AMADO - Elizabeth Hazin


A Bahia está ligada de forma indissolúvel à obra de Jorge Amado. Não se pode pensá-la literariamente sem que alguns personagens, alguns lugares ou algumas situações de seus romances aflorem à lembrança. A Bahia está assim inteira na obra desse escritor – que dos brasileiros, é um dos mais conhecidos no exterior - nascido em Ferradas (Itabuna), no sul da Bahia, a 10 de agosto de 1912.

Os primeiros anos de sua vida foram vividos em Ilhéus, importante cidade da região do cacau, que seria mais tarde retratada em cinco de seus romances. Aos 14 anos, já em Salvador, começou a escrever para jornais e revistas locais. Laureado em Direito em 1935 - sem, todavia, exercer a profissão -, elegeu-se deputado federal dez anos mais tarde, tendo feito parte da Assembleia Constituinte de 1946. Ainda em 1945, casou-se com a escritora Zelia Gattai, com quem teve dois filhos; João Jorge e Paloma. Ingressou na Academia Brasileira de Letras em 1961. Morreu em Salvador, em agosto de 2001, aos 89 anos.

Ao longo da vida recebeu inúmeros prêmios e homenagens, das mais diversas partes do mundo, e teve sua obra traduzida para meia centena de idiomas e dialetos. O povo sempre ocupou lugar relevante em sua obra, motivo pelo qual alguns críticos chegaram a afirmar ter sido Jorge Amado aquele que soube - de modo mais perfeito - “afundar as raízes de seu romance na vida cotidiana, nas tradições e no trabalho do povo brasileiro”.

Tornei-me leitora de Jorge Amado na adolescência, mas devo dizer que pude entrever melhor as dimensões do trabalho por ele desenvolvido, quando – à época em que ensinei e fiz pesquisa na UFBa - tentei descobrir os mecanismos de sua criação, pesquisando os manuscritos literários e anotações, guardados na Fundação que traz o seu nome, fincada no Pelourinho, em Salvador. Antes de estudá-los, tive - porém - de organizá-los. Era inevitável que aqueles milhares de fólios tivessem sofrido a ação corrosiva do tempo e da luz: quase se fragmentavam ao toque. É conhecida a expressão “fio de voz”, mas fólios foram vistos que eram um “fio de escrita”, quase bebida pelo papel, de tão tênue que a letra se dava a ler. Entristecia, por exemplo, saber que em alguns trechos houvera palavras que já tinham desaparecido. Que frases se teriam escrito com elas? Que técnica poderia então restituí-las à folha, extraí-las do caos para articular novamente o texto? Conta-se que no Orinoco, Humboldt encontrou um papagaio que repetia as últimas palavras de uma língua que sossobrara. Anedótica ou não, a alusão interessa apenas na medida em que ao se folhearem as páginas amareladas de Mar Morto, ela sugeria que também ali se procurava resgatar uma língua desconhecida, chamada talvez “Guma”, talvez “Yemanjá”.

Jorge Amado completaria agora 100 anos. Do jovem que em 1931 publicava O país do carnaval que resta hoje? Hoje, que se podem ter diante dos olhos as palavras de ontem, as até então desconhecidas, as que nos seus manuscritos latejam com pureza de confidência e ensinam que a voz é a mesma – a do passado e a de agora – pode-se afirmar: engrandecido pela experiência, pelo difícil ofício de viver e de escrever, pela morte, tudo resta.

Extraído do sítio UNB

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