17 de setembro de 2012

PELO COLOQUIALISMO, CONTRA A VULGARIDADE - Rodolpho Motta Lima


A observação crítica que fiz ao terminar um artigo recente sobre os “quereres” expressos na MPB nada tem a ver com um possível repúdio ao coloquialismo ou com uma posição de “guardião da norma culta” , que a minha condição de professor de Língua Portuguesa poderia fazer supor.

Os modernos estudos da língua passam, necessariamente, pela valorização de seus diversos matizes – as variantes linguísticas - , ditados por razões de ordem histórica, geográfica, social, contextual, entre outras. E é justamente essa diversidade que gera o encantamento da nossa língua, que o rigorismo de Bilac apregoava como “a um tempo, esplendor e sepultura”. O Português não é apenas aquele em que Camões expressou seus versos imortais, Machado de Assis produziu romances de aceitação mundial, Drummond, Pessoa, Bandeira e tantos outros cunharam poemas memoráveis, mas também o dos cantadores do cordel nordestino, dos compositores populares de todos os gêneros, da descontraída conversa dos jovens da cidade, dos matutos e caipiras espalhados pelos mais diversos rincões nacionais . É por isso que, reverenciando as palavras do mestre Evanildo Bechara, é imperativo da cidadania que sejamos “poliglotas em nossa própria língua”, sem preconceitos ou discriminações que afirmem a prevalência de qualquer registro sobre outro. Esse assunto foi, inclusive, mal explorado recentemente, quando se quis questionar um livro didático que apenas afirmava essa diversidade. Coisa típica de quem não sabia sobre o que estava falando, ou, se sabia, servia a outros interesses que não os dos estudos linguísticos. 

Não se devem, assim, hierarquizar as manifestações da língua dentro de conceitos ortodoxos do “certo” ou do “errado”, mas atentando para a sua adequação a contextos específicos que, esses sim, justificam ou renegam um ou outro emprego. A linguagem é, assim, a “vestimenta” do fato que manifesta, sendo óbvio que as expressões de um coro da arquibancada do Maracanã ao recriminar o juiz do jogo deverão ser sempre bem diversas daquelas produzidas em um fórum acadêmico...

Na música popular brasileira, até pela adjetivação que a define , o coloquialismo é absolutamente pertinente . Afinal, “a forma é o fundo aparecendo” , e as letras de nossas músicas feita por e para o povo, voltadas para o cotidiano, têm mesmo que apresentar os registros da expressão popular, responsáveis pela sua aceitação planetária. Como recriminar a expressão do sentimento e do desejo pelo outro nos versos do “Beija eu” da Marisa Monte? Quem discutirá a regência do verbo “preferir” na afirmação antológica do “maluco beleza” (foto): “Prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”? Será que podemos questionar o rei da canção popular nordestina quando, na belíssima “Asa branca”, utilizou-se da construção “espero a chuva cair de novo pra mim voltar pro meu sertão” ? Algum de nós pensa no detalhe do complemento sintático do verbo “lembrar” quando mergulha na emoção dos versos de Roberto Carlos que dizem: “Nessa hora você vai lembrar de mim”? Os versos de Caetano que encerram a composição “Muito Romântico”, será que ficariam melhores do que “o que houve entre você e eu”? E os do Chico, que em “Roda Viva” afirmam que “tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu”? Em todos esses exemplos – alguns em meio a milhares – os compositores do povo expressaram-se como o próprio povo, elegendo o seu registro como o mais adequado e “descumprindo” recomendações gramaticais da língua padrão.

Oswald de Andrade, um dos ícones do nosso movimento modernista, nos deu de presente o poema ‘‘Pronominais” , e nele opõe ao vernacular “Dê-me o cigarro” a valorização da expressão cotidiana “Me dá um cigarro” , do “bom negro e bom branco da nação brasileira”, querendo com isso expressar a cumplicidade linguística entre o artista e seu povo, uma aspiração daquela estética literária. 

Prestigiar a expressão popular da língua sempre foi próprio dos nossos maiores compositores e sempre conferiu à MPB esse sabor especial que a faz tão presente em nossas vidas. Mas o emprego do coloquial não se pode confundir com a vulgaridade de certas letras que apenas expressam (?) o vazio criativo que, de uns tempos para cá, a mídia insiste em “popularizar”, bem dentro desse espírito hedonista e alienador que preconiza muito movimento do corpo e inércia quase absoluta do espírito...

Extraído do sítio Direto da Redação

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