17 de setembro de 2012

JOSÉ CASTELLO: ENSAIOS DE UM "LEITOR COMUM" - Fernando de Oliveira

O premiado romancista José Castello reflete, em seu novo livro, sobre literatura e consagrados escritores.


Autor do celebrado Ribamar, vencedor do prêmio Jabuti 2011, o jornalista e escritor carioca José Castello, um dos mais respeitados críticos em atividade no País, acaba de lançar, pela Bertrand Brasil, seu novo livro, As Feridas de Um Leitor.

Trata-se de uma excelente coletânea de 42 ensaios (que se complementam) sobre literatura e escritores, como Mário de Andrade, Clarice Lispector, Moacyr Scliar, Joseph Conrad, José Saramago e Julio Cortázar, publicados nas páginas de O Globo, Estadão, Valor Econômico, Bravo, Rascunho, entre outros veículos da imprensa brasileira.

“Esses artigos compõem um registro – profunda cicatriz – das feridas que a leitura sempre produz em mim. Ler — se lemos para valer — fere. Arranca nacos do espírito, agita a sensibilidade e desloca os pensamentos”, escreve Castello, no breve texto de introdução da obra.

Colunista do caderno Prosa & Verso, do jornal O Globo, José Castello, que se considera um “leitor comum”, viajou para o exterior na semana passada.

Antes de pegar o avião, ele conversou com o Diário, nesta entrevista exclusiva, concedida de Curitiba, onde está radicado desde 1994.

Diário Regional – Com que critério selecionou os ensaios de As Feridas de Um Leitor?

José Castello - O critério de seleção é sempre afetivo. Escolhi artigos sobre autores que me interessam mais. E também aqueles que, acredito, consegui expressar um pouco melhor o que senti durante a leitura. Em resumo: dei preferência aos artigos que guardam, de alguma maneira, o meu estilo e a minha maneira de observar a literatura e o mundo.

DR – Como se tornou crítico literário?

Castello - Não sei se sou, de fato, crítico literário. Vejo-me mais como um cronista literário. Críticos literários são Leyla Perrone Moisés, Silviano Santiago, Flora Sussekind, Davi Arrigucci, Beatriz Resende, Manoel da Costa Pinto. Pessoas que tiveram um percurso acadêmico longo, organizado e que, sobretudo, são estudiosos de teoria literária. Minha graduação é em jornalismo. Meu mestrado também. E só. Sempre me considerei um “leitor comum”. Meus artigos são como crônicas de viagem – só que de viagens feitas através de um livro. Abro o livro, leio (“viajo”) e depois escrevo meu relato, minha crônica (“de viagem”). É o que faço, e gosto muito de fazer!

DR – De que maneira a experiência como jornalista cultural, que trabalhou em redações de jornais entre 1971 e 1991, influenciou sua atividade de crítico e escritor?

Castello - É evidente que influenciou. E muito. Sobretudo porque me deu a chance preciosa de conhecer e ter longas conversas com importantes escritores. Um dos resultados dessa convivência é meu livro Inventário das Sombras (Record, 1999). Creio que quando você conhece um escritor, você, de alguma forma, acessa os bastidores de sua escrita. Você pode ler, amar e conhecer um grande escritor, é claro, sem jamais tê-lo visto. Mas o contato pessoal, acredito, enriquece muito o conhecimento da literatura.

“A literatura - a arte em geral - é o lugar do Um, do particular, do singular”, diz José Castello 
DR – No ensaio A Ficção Envergonhada, o senhor escreve que “os críticos literários não suportam a ideia de que a crítica literária é, ela também, um tipo (ainda que envergonhado) de ficção”. Gostaria que comentasse isso.

Castello - A crítica (muitos esquecem) é um gênero literário. Mais que isso: é um gênero no qual, por mais que lute contra isso, o critico trabalha também com sua subjetividade. Ele expressa preferências, faz escolhas, enfatiza aspectos, descarta outros. Entram em cena, ainda, as fantasias que ele tem não só a respeito do livro que lê, mas do escritor que o escreveu. Toda crítica – mesmo a mais “científica” delas – tem, portanto, um forte componente ficcional. Os críticos não gostam de admitir isso. Isso até os horroriza. Mas é exatamente o que penso.

DR – Mestres da crítica literária brasileira do século 20 como Álvaro Lins, Sérgio Milliet e Otto Maria Carpeaux deixaram discípulos? Qual sua visão sobre a crítica literária de hoje?

Castello - A crítica de hoje é assunto da universidade. Temos grandes críticos no Brasil, como alguns que já citei. Desde a criação, por Afrânio Coutinho, nos anos 60,da primeira faculdade de Letras (a da UFRJ), a crítica se tornou um assunto universitário. Na imprensa predomina a resenha, que é igualmente digna, mas que tem um caráter mais informativo e jornalístico. São duas perspectivas diversas, quase opostas, que se complementam. As duas, creio, são igualmente importantes. Embora, como já disse, eu esteja em um terceiro lugar.

DR – Como avalia o atual momento da literatura brasileira?

Castello - Com muito otimismo. Pense nos narradores. Pense em João Gilberto Noll, Milton Hatoum, Tatiana Salem Levy, Cristovão Tezza, João Paulo Cuenca, João Almino, Carola Saavedra, Raimundo Carrero… o que eles têm em comum? Nada. E é justamente nesse “nada”, a meu ver, que está a riqueza. Hoje os escritores realmente importantes não se preocupam mais com escolas, modas, vanguardas, grupos estéticos. Cada um segue seu caminho. E acho que estão certos, porque a literatura – a arte em geral – é o lugar do Um, do particular, do singular.

DR – O senhor é colaborador do mensário Rascunho, exemplar suplemento literário curitibano. Por que são raras no Brasil publicações corajosas e instigantes como essa?

Castello - Não é fácil manter uma publicação literária. Hoje só mesmo os grandes jornais – como O Globo, onde sou colunista do suplemento Prosa e Verso - e as grandes instituições – como o Instituto Moreira Salles – conseguem sustentá-las. O Rascunho é uma fantástica exceção. Ele é resultado da obstinação, da luta, da coragem de seu editor, Rogério Pereira, que, contra tudo e contra todos, criou um jornal que já tem mais de dez anos de existência, sem falhar uma só edição! Eu me orgulho muito de ser colaborador do Rascunho. Nunca me cansarei de dizer isso.

DR – Está trabalhando em algum novo livro?

Castello - Estou terminando um ensaio sobre Robinson Crusoe, o romance de Daniel Defoe, primeiro romance que li na vida. Ele sairá pela Companhia das Letras. Nele, traço um paralelo entre a leitura que faço hoje de Crusoe, aos 60 anos de idade, e aquele que fiz quando o li pela primeira vez, aos nove anos. Já tenho muitos rascunhos, também, para um terceiro romance, mas ainda estão caóticos demais e não consigo falar nada a respeito. E, por fim, no início de 2013 a editora Leya lançará uma seleção de 100 das mais de 250 colunas que já publiquei no Prosa& Verso. O livro se chamará Sábados Inquietos.

Extraído do sítio Sul21

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