21 de fevereiro de 2013

ONDE FOI PARAR O SAMBA? - Alberto Dines


O chamado “carnaval de rua” é uma invenção carioca e fruto de enorme redundância: todo carnaval é de rua, popular – exceto quando exportado para os salões da nobreza.

Nos anos 1930 e 40 os grandes desfiles reuniam os ranchos, as escolas de samba e as grandes sociedades, sendo que estas e seus carros alegóricos desempenhavam o papel hoje assumido pelas escolas de samba. Com uma diferença: eram muito mais críticas e independentes.

A alta burguesia desfilava em seus carros abertos, devidamente enfeitados de serpentinas, no corso das avenidas centrais e litorâneas. O povão fantasiava-se de qualquer coisa – geralmente de mulher – e divertia-se nos blocos que saíam da sexta até a terça à noite. Também nas “batalhas de confete”, organizadas pela prefeitura com o apoio de animadas charangas.

A cerveja era proporcionalmente mais cara (vendida apenas em garrafas), foliões preferiam a cachaça, tomada antes de sair à rua e eliminada pela transpiração – mictórios a céu aberto eram impensáveis naquele país atrasado.

Na Quarta-feira de Cinzas, saía do Méier (rincão natal de Millôr Fernandes) um bloco chamado Chave de Ouro, sempre reprimido pela polícia, e um sub-bloco ainda mais animado, com o maravilhoso nome “O que é que vou dizer em casa?” – igualmente atacado pelos cassetetes da Polícia Especial. Estávamos no Estado Novo, invenção salazarista tropicalizada pelo Pai dos Pobres, Getúlio Vargas.

O antropólogo Darcy Ribeiro percebeu o potencial criativo das escolas de samba e levou os desfiles da Avenida Presidente Vargas para o sambódromo da Marquês de Sapucaí, onde na magnífica passarela projetada por Oscar Niemayer se convertiam em deslumbrantes shows rolantes e apoteoses rebolantes. Com a generosa ajuda dos banqueiros do jogo do bicho.

O povão não chegava lá até aparecerem as emissoras de TV, que se encarregaram de democratizar o espetáculo levando-o para as salas de jantar do país inteiro. Fenômeno idêntico ocorreu nas principais capitais, começando por São Paulo. Exceto em Salvador e Recife-Olinda, onde felizmente mantiveram suas características originais.

Função única

O apogeu das escolas de samba é, ao mesmo tempo, um indício do seu declínio. Monetizaram-se, ficaram iguais. Conhecem-se os carnavalescos, os enredos, as rainhas da bateria, as boazudas das alas, ninguém sabe o samba da campeã. A não ser aqueles que pagaram o carnê e vestiram a fantasia. A escola, ponto alto do carnaval, esqueceu o samba e deixou a rua. Em seu lugar, enormes passeatas com réplicas de alegria.

O surto de saudades pelo “carnaval de rua” tem sido intensamente explorado pela mídia não-televisiva num esforço para vencer a marginalização imposta pela hegemonia dos desfiles das escolas de samba. Sedenta de verbas oferecidas pelas cervejeiras – as grandes promotoras da alegria popular –, começou uma ofensiva pelo renascimento dos blocos.

Como os quatro dias de Carnaval estão ocupados pelos desfiles oficiais dos sambódromos, o jeito é ultrapassar a Quarta-feira de Cinzas e esticar a folia até o domingo seguinte. Com a conivência das autoridades que não ousam defender os interesses dos infelizes que precisam retomar o trabalho depois do tríduo momesco.

Blocos têm um sentido, identidade. Este observador teve o privilégio de examinar a “explosão de alegria” de um bloco que se aglutinou no domingo (17/2) no bairro de Vila Madalena, em São Paulo. Durante algumas horas, atraídas por um certo som, munidas da indefectível lata de cerveja, as pessoas vão se juntando, se mexendo, eventualmente se bolinando, arrastando as sandálias em direção a um misterioso ponto de onde, dentro de algumas horas, se dispersarão convencidas de que se divertiram um bocado.

Sambaram? Rebolaram? Imitaram as evoluções das porta-bandeiras e dos mestres-salas? Cantaram? Seguem o melancólico script ditado por aqueles cuja única função é inventar eventos e forçar animações. Já não sabem fazer outra coisa.

Extraído do sítio Observatório da Imprensa

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