30 de outubro de 2011

CHICO BUARQUE FOI PRESO EM PARIS - Mário Prata

Dia 19 de junho, aniversário do Chico. Não o desta semana, mas o de 1998. Paris, Copa do Mundo, Chico fazendo 54 anos. Neste dia, pela tarde, jogariam Nigéria e não sei quem. Fiquei de ir assistir com ele no seu apartamento em Marais. Torcíamos fervorosamente pelo time africano.

Cheguei na hora combinada, vinho nacional debaixo do braço, animado. Toco o interfone. Nada. Espero uns dez minutos, ele poderia estar tomando banho, porque ia jogar futebol antes. Nada. Chegando a hora do jogo. Vou para a rue St. Paul. Tinha um bom boteco lá. Assisto todo o primeiro tempo. Volto para o apê dele. Toco, ele atende, a porta abre, eu subo.

- Fui preso!!!

Nem disse oi. Fui preso!!! Mesmo irritado, dava umas risadas. Preso, cara! Suado, ainda de calção e camiseta do Brasil.

- Preso?

- Eu e o Vinícius! Presos!

Vinícius era um músico que tinha ido jogador futebol com ele. Deu carona pru Chico num carro alugado.

- Dá para explicar?

- Ia chegar na hora, desculpa. O Vinícius me deixou ali na avenida. Quando eu abri a porta do carro pra sair, vinham duas bichinhas holandesas de moto e entraram na porta. Caíram, saiu sangue. Se tem sangue, tem polícia e ambulância. Aqui é assim. A gente tinha que esperar.

- Mas machucou muito?

- Porra nenhuma, um cortezinho de nada no joelho. (mostrou o tamanho do corte abrindo dois dedos) Dois pontinhos. Mas a bichinha ficava gemendo no chão. Eu com medo de passar algum jornalista brasileiro por ali.

- Somos uns 700!

- Pois é. Foi juntando gente e o cara lá no chão. Aí chega a viatura. Pede documentos pra mim e pru Vinícius. A gente não tinha. Eu tava assim, ó, desse jeito. Vou levar documento pra jogar futebol em Paris? Aí começou a complicar. O guarda já telefonou pra outro. Chegou o outro – enquanto a ambulância pegava os holandeses e...

- Como é que você sabe que eram holandeses.

- Tavam de laranja. Aí resolveram nos levar para a delegacia para fazer o B.O. Tentei argumentar com o cara, disse que era famoso no Brasil, que tava cheio de jornalista brasileiro na cidade, que ia ser um escândalo, aquele lero todo. Mas tinha que fazer o boletim de ocorrência. Tinha sangue, eles insistiam muito nisso.

- Sangrava muito (ele fez o gesto com os dedos e o corte estava ficando cada vez maior)?

- Uma bobagem. Aí o segundo guarda consentiu em fazer o B.O. dentro da viatura. Entramos lá dentro eu e o Vinícius no banco de trás e os dois no banco da frente.

- Nome, nacionalidade e profissão. Eu: Francisco, tal, brasileiro, músico. O Vinícius: Vinícius, tal, brasileiro, músico. O cara: data de nascimento. Eu: 19 de junho de 1944 (que é hoje, né?).

- Você ainda não deu espaço para o abraço.

- Deixa eu acabar. Quando eu falei 19 de junho de 44, o Vinícius começou a me olhar meio de lado. Quando perguntaram o nascimento dele, ele: 19 de junho de 1944. Você acredita, acredita? Nascemos no mesmo dia, mês e ano e é hoje. Aí os guardas começaram a achar que a gente tava gozando com a cara deles. Principalmente porque nós dois começamos a nos abraçar, falando em português, nos cumprimentando, né?, e os caras ficando irritados. Meu, eu não acredito. Quando a gente percebeu, a viatura já estava andando. Aí eu vi que eles viraram ali naquela esquina, aquela ali, e eu disse que morava aqui e podia pegar os documentos. O cara subiu aqui comigo e dizia: se você não nasceu hoje a Copa do Mundo acabou para você. Acredita, cara? Só não fui algemado. Vai ligando a televisão aí que eu vou tomar uma ducha rápido.

Ele foi subindo a escada.

- Chico, parabéns!

- Por que?

- Nada... A Nigéria tá perdendo.

- Que merda, cara!

Crônica publicada em 19/06/2004 na Revista Época.

Extraída do sítio Mário Prata Online.