10 de dezembro de 2012

35 ANOS SEM CLARICE LISPECTOR; 92 ANOS COM CLARICE LISPECTOR - Núbia Mota

Irmã Odélcia Leão Carneiro ao lado de Clarice Lispector durante encontro na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uberlândia

Há exatos 35 anos, um câncer generalizado calou uma das escritoras mais importantes da literatura brasileira. Em 9 de dezembro de 1977, um dia antes de completar 57 anos, a ucraniana radicada no Brasil Clarice Lispector ultrapassou todas as mortes que escreveu ter enfrentado em vida para a última e definitiva delas. Dois anos antes, ela veio a Uberlândia e deixou uma marca forte assim como o olhar vago sob as sobrancelhas arqueadas.

A convite da freira Odélcia Leão Carneiro, professora de Literatura Brasileira e vice-diretora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Uberlândia, a escritora e jornalista veio à cidade para o Seminário “O Existencialismo na obra de Clarice Lispector”. O dia não se sabe ao certo daquele mês de novembro de 1975. “Ela veio falar sobre o livro ‘A Paixão Segundo G.H’. A irmã Odélcia estudava os livros com os alunos e chamava o escritor. Como era amiga da Clarice, até a visitava no Rio. A escritora veio essa única vez aqui”, disse a irmã Ilar Garotti, na época diretora da instituição. Odélcia Leão Carneiro faleceu no dia 3 de julho de 2006.

Na época com 21 anos, a formanda em Letras Vânia Abdulmassih ficou responsável por ciceronear a escritora famosa e ir buscá-la no aeroporto. Com uma cesta de pães de queijo feitos por ela, a estudante acompanhou Clarice Lispector até o quarto do hotel Presidente, onde juntas tomaram café. “Ela falava muito devagar, era bonita, tinha a voz grossa e calma e fumava o tempo todo. Não gostava de falar da vida pessoal. Mostrei alguns lugares da cidade e ela adorou tudo”, disse Vânia Abdulmassih, hoje professora universitária aposentada.

Simplicidade

A reserva no hotel Presidente não durou muito. No mesmo dia em que chegou à cidade, quando foi à casa onde moravam quatro religiosas da Congregação das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, responsáveis pela Faculdade de Filosofia, Clarice Lispector pediu para se hospedar por lá. “Ela gostou tanto de nós. Eu disse para ela. ‘Aqui é tão simples’ e ela respondeu ‘Mas é onde quero ficar’”, afirmou irmã Ilar Garotti.

A religiosa e na época diretora da Faculdade de Filosofia cedeu o quarto para a escritora, a única suíte da casa da rua Araxá, nº 33, na região central de Uberlândia, onde ainda havia uma escrivaninha que também foi usada por Clarice Lispector.

Mesmo com um dia e meio de convivência, a irmã Ilar disse ter nascido uma simpatia mútua entre as moradoras da casa e a escritora. “Ela era tão simples, tão sem exigência, que ninguém dizia que era a escritora do porte dela. Ela falava pouco, mas gerava muita confiança”, disse irmã Ilar.

De lá, à noite, Clarice Lispector seguiu para o salão principal da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na época ainda particular e vinculada ao Colégio Nossa Senhora, na rua Silva Jardim, no Centro de Uberlândia. No outro dia, tomou café com as irmãs, falou com alguns estudantes, pegou o avião à tarde de volta para o Rio e nunca mais voltou.

José Miguel Wisnik pede desarmamento para conhecer as obras

Para José Miguel Wisnik, livre docente em Literatura Brasileira e considerado o maior especialista em Clarice Lispector no Brasil, a obra da escritora “transcende a biografia”. Mesmo com a oportunidade de ter conhecido a escritora no passado, o professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) preferiu mergulhar nas obras. “Estão com uma mania de biografia. Para mim é uma regressão, um atraso, um interesse anedótico pelas pessoas e não pelas obras delas. A pessoa não é o mais importante, a minha relação é com a Clarice escritora”, disse Wisnik.

Apaixonado por Clarice Lispector mesmo antes de se tornar um profissional na literatura, Wisnik afirmou que pelos livros publicados é possível conhecer muito da vida pessoal dela. Entre eles, ele indica “Laços de Família” e “Paixão segundo GH”, os preferidos do especialista. “Mas prefiro a Clarice contista do que a Clarice romancista”, afirmou. Segundo Wisnik, para quem ainda não conhece a obra, é preciso simplesmente estar “desarmado”.

Clarice Lispector nasceu em Tchetchelnik, na Ucrânia, no dia 10 de dezembro de 1920, e foi originalmente chamada de Haia Lispector. Mudou-se com a família para o Brasil quando tinha 2 meses e foi criada no Recife (PE).

Adotou o Rio e, logo depois de se casar com um diplomata, viveu longos anos mundo afora. Em uma das frases mais famosas disse: “Eu acho que, quando não escrevo, estou morta”. Para seus leitores, nunca estará.

Clarice Monteiro Vitorino recebeu o nome graças ao gosto literário da mãe, Maria Cristina 

Batismo é inspirado em estrela

Desde a juventude, graças ao incentivo da mãe professora, a funcionária pública Maria Cristina Franco Monteiro se entregou às obras de Clarice Lispector e fez disso um hábito. Leu todos os livros que estavam ao alcance, entre eles “Paixão segundo G.H.” (1964), “Felicidade Clandestina” (1971) até o último deles, “A Hora da Estrela”, publicado pouco antes da morte da escritora em 1977. “Uma vez li um fragmento escrito pela Clarice em um livro didático da minha mãe. Fiquei com ele na cabeça e quando cursei Letras comecei a comprar os livros”, disse Cristina Franco.

O interesse passou até para o namorado da época, hoje o atual marido, Castílio Vitorino. De tanto ouvir falar sobre a escritora, o técnico em Química também passou a montar a própria coleção que ultrapassou a da esposa.

Nove anos depois, quando nasceu a primeira filha do casal, de comum acordo foi chamada Clarice. A jornalista Clarice Monteiro Vitorino herdou, além do nome da escritora, o gosto pela leitura dos títulos os quais cresceu acostumada a ver nas prateleiras de casa. “Quando digo meu nome, em uma entrevista de trabalho, por exemplo, eu falo sempre: ‘é com C, assim como da escritora’. Poucos conhecem, mas é uma honra ter o nome dela”, disse Clarice Monteiro.

Morte de Clarice Lispector
Enquanto te enterravam no cemitério judeu do Caju (e o clarão de teu olhar soterrado resistindo ainda), o táxi corria comigo à borda da Lagoa na direção de Botafogo. E as pedras e as nuvens e as árvores no vento mostravam alegremente que não dependem de nós.”
Ferreira Gullar (poeta e amigo de Clarice Lispector).

Extraído do sítio Correio de Uberlândia

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