Autor angolano esteve em Fortaleza e falou sobre o diálogo cultural entre Brasil e África. Para ele, o País tem a responsabilidade de líder entre os países de língua portuguesa. Em entrevista publicada na edição desta segunda-feira no jornal O Povo, Agualusa falou sobre a aproximação entre os países, literatura e língua portuguesa. Leia a íntegra da entrevista:
José Eduardo Agualusa, 51, nasceu em Angola, já morou no Brasil e atualmente reside em Lisboa. É um dos escritores que mais promovem o intercâmbio entre os países da comunidade de língua portuguesa, inclusive tematizando esses diálogos culturais em suas obras ficcionais. Em passagem por Fortaleza no final do mês passado, ele falou sobre a maior proximidade nos últimos anos entre Brasil e África e como sua literatura atravessa essas fronteiras.
O Povo - Como você avalia o atual momento do diálogo entre Brasil e África?
José Eduardo Agualusa - Acho que esse diálogo está se intensificando e que vai muito além da aproximação entre Estados, da aproximação oficial, vamos dizer. É uma aproximação entre as sociedades civis de todos esses países, ou seja, a mim parece que nunca houve realmente tanto trânsito entre África e Brasil como agora, não só de pessoas – porque há um número muito grande de brasileiros hoje vivendo em Angola, por exemplo, e de angolanos e africanos estudantes a viver no Brasil –, mas, sobretudo, há um trânsito de ideias, de palavras, que se faz através das novas tecnologias, da Internet. Então a mim parece que estamos mesmo no limiar de um tempo novo.
A literatura é um caso particular nessa história?
A literatura ajuda um pouco, é uma arte que não atinge a maioria das pessoas, tanto no Brasil, quanto em África. Em nossos países infelizmente ainda são poucas as pessoas que leem e, sobretudo, que leem literatura. Mas, de qualquer maneira, a literatura tem um papel importante sim. Seja como for, a literatura é lida por um conjunto de pessoas, muitas das quais com capacidade para tomar decisões importantes. Agora é evidente que talvez você sinta esse diálogo mais na música. Ou não sei. Se a gente pensar que eu vivi no Brasil há 12 anos, quando se entrava numa livraria brasileira e não havia um único autor africano, não havia mesmo, e hoje qualquer boa livraria tem autores africanos, não apenas de língua portuguesa, e que eles estão presentes inclusive nos muitos festivais literários que hoje existem no Brasil. Isso mostra que há um interesse do Brasil por África. Eu estava falando da música, mas provavelmente nesse caso estou enganado, provavelmente há mais presença da literatura africana do que da música africana aqui. Normalmente não é assim, a música chega sempre antes. No caso da Europa, a música africana está mais presente do que a literatura. Mas no caso do Brasil acho que não é assim.
O alto nível em que estão os escritores africanos de língua portuguesa é um dos fatores que explicam esse fato?
John Mazwell Coetzee |
Destes escritores africanos, dois dos mais lidos e divulgados no Brasil nos últimos anos são Valter Hugo Mãe e Gonçalo Tavares. Ambos nascidos em Angola, mas considerados escritores portugueses.
![]() |
Vitor Hugo Mãe |
Você se mudou de Angola para Portugal pela primeira vez no final da década de 1970. Foi estudar agronomia e silvicultura em Lisboa. Já havia o interesse em paralelo pela literatura nessa época?
Não. Quando começou o interesse pela agronomia, eu não pensava em ser escritor. Em Lisboa havia uma comunidade muito grande de estudantes e fazíamos uma vida muito juntos, estávamos naquela situação, longe do país, trocávamos livros e começamos a escrever. Com um grupo de estudantes, eu criei uma revista literária, porque nós não nos sentíamos muito representados por aquela poesia que era feita naquela altura em Angola, em plena revolução. A literatura que se fazia em Angola na época era uma literatura muito dirigida, revolucionária evidentemente, mas muito dirigida, não havia espaço para nada que não fosse exaltar a revolução. A verdade é que nós não nos sentíamos muito representados por aquela literatura e criamos aquele jornal pra tentar explorar outras formas, outras vertentes e foi assim que eu comecei a escrever. Nós éramos poucos e, para parecermos muitos, escrevíamos com vários heterônimos.
E daí ao primeiro livro?
A Conjura |
Pelo que eu entendi, sua literatura começa muito ligada à política. Como você encara esse elemento político em sua escrita?
A literatura está ligada a vida naturalmente e a mim não seria possível alijar-me da questão política, toda a literatura pra mim é politica também. Eu sempre estive ligado a movimentos pacifistas, que lutavam pela paz em Angola. Eu nasci com guerra, sempre vi guerra ao longo da minha vida toda. Sempre guerra, sempre guerra. Então sempre tive ligado a movimentos pacifistas e pró-democracia. A minha luta daquela época é a mesma luta de hoje, é uma luta pela democratização do país. Hoje não mais pela paz, felizmente, a paz é um dado adquirido, não vai voltar a guerra, mas Angola ainda não é uma democracia. Eu acho que mesmo a justiça social só fica assegurada ou só verdadeiramente assegurada através do regime democrático, acho que é impossível falar em uma melhor distribuição de riqueza etc sem ser no contexto da democracia.
Você é um angolano branco. Essas diferenças raciais são muito marcadas dentro do país?
Vamos tratar como angolano de origem portuguesa. Eu vivi numa cidade que era uma cidade bastante particular. Huambo era uma cidade do interior da Angola, nova, muito nova, com uma presença colonial mais forte do que em outras cidades. Se você for à Benguela, por exemplo, é uma cidade bastante mais integrada do que Huambo, mas mesmo em Huambo havia alguma integração. Angola não era a África do Sul, sempre tive colegas de todas as origens. Eu era muito jovem quando aconteceu o 25 de abril em Portugal (Revolução dos Cravos), depois a Independência da Angola. Eu tinha 15 anos. Foi uma época em que todos nós crescemos, amadurecemos muito rapidamente, e aquela época foi também uma época de grande euforia, uma época em que as clivagens raciais desapareceram, foi uma época de grande fé coletiva. Não era uma questão que fosse premente na época, não quer dizer que não existisse, mas não era premente. Em Angola você tem uma situação que é: tem pessoas com diferentes origens em termos de língua materna. Eu talvez me defina mais facilmente como um angolano de língua materna portuguesa. Nesse grupo você tem pessoas de todas as origens raciais, é mais uma questão de cultura, de pertença cultural. Nunca penso em mim como sendo mais claro ou mais escuro, penso em mim como um angolano de língua materna portuguesa. Uma coisa que eu sinto em Angola também.
Recentemente entrevistei o Valter Hugo Mãe e perguntei se o passado colonial ainda mobilizava a sociedade portuguesa. Ele respondeu que cada vez menos. No caso de Angola, isso acontece?
Pros angolanos talvez menos que para os portugueses. Angola teve essa guerra civil que foi muito mais violenta do que a guerra colonial e também Angola é um país muito jovem, a esmagadora maioria dos angolanos tem menos de 30 anos, a maioria dos angolanos nem sequer viveu a época colonial, ouve falar, mas nem sequer viveu, então é uma dimensão diferente. Eu acho que a guerra colonial - no caso a guerra de libertação - em Angola hoje não tem a mesma presença do que a guerra colonial tem na sociedade portuguesa.
Luanda é um personagem específico da sua obra. Você pode falar sobre a cidade?
Luanda, Angola |
Quais questões estão postas para sua literatura hoje? Ou cada livro tem um motivo diferente?
Eu acho que não dá pra forçar, sobretudo no romance não dá pra forçar. No romance, você tem que estar muito apaixonado por uma ideia, o romance pra mim parte de uma ideia. N’O Vendedor de Passados, o cara que vende passados para os novos ricos. Nação Crioula: a história de uma senhora que, sido escrava, se torna escravocrata. Isso é a ideia. O romance exige um envolvimento muito grande, uma paixão. Em Milagrário Pessoal houve uma paixão até física, uma história muito louca. Eu conheci num jantar uma linguista portuguesa muito bonita. Ela tinha um programa no computador que recolhia palavras novas surgidas na imprensa de língua portuguesa e depois o trabalho dela era ver se aquelas palavras eram neologismos ou não para serem dicionarizadas. Eu saí daquele jantar completamente apaixonado por ela e pela ideia de alguém que recolhe neologismos e inventei uma história: uma linguista que faz isso e de repente começa a descobrir dezenas, depois centenas de neologismos tão perfeitos, tão necessários, que as pessoas se apropriam deles sem darem conta sequer que são palavras novas. E comecei a escrever o livro, comecei a namorar com ela. O livro levou nove meses. Nove meses que eu fui contando a história pra ela, tipo Sherazade, e quando livro terminou, terminou o romance. Ela me trocou por outro cara (risos). De onde se pode concluir que a literatura também serve pra isso, para seduzir.
Você acredita em uma espécie de dívida histórica do Brasil com a África por conta da escravidão?
A vitimização não é uma solução para enfrentar os problemas. A África não pode continuar a colocar-se no papel de vítima, a África tem que se colocar no papel de atuante. Foi o caso da África do Sul, que resolveu muito bem a transição do Apartheid para um regime democrático, verdadeiro, autêntico, sem nenhuma intervenção externa. A questão da vitimização não resolve nada. O que acontece hoje é que nós temos vários países que têm uma matriz comum. Angola, Guiné Bissau, Cabo Verde podem tentar explorar o fato do Brasil ser um país irmão e ser um país que resultou dessa construção africana. Isso sim. Acho que o Brasil tem uma responsabilidade para com os países de língua portuguesa? Acho. Por ser um país com uma dimensão enorme, um país que tem uma presença no mundo muito grande e a presença do Brasil no mundo passa também por sua afirmação identitária, uma afirmação através da língua portuguesa. O Brasil tem essa responsabilidade de saber liderar esse conjunto de países de língua portuguesa, porque é o maior país. Isso o Brasil não tem feito ainda e isso eu acho que nós devemos exigir ao Brasil, que cumpra suas obrigações enquanto gigante.
Extraído do sítio Portal Vermelho
Extraído do sítio Portal Vermelho
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Os comentários serão moderados. Não serão mais publicados os de anônimos.