Não fosse a literatura que os registrou e oficializou, termos como "gringuinho", "russo", e sabe-se lá quantos outros qualificativos atribuídos aos imigrantes judeus chegados ao Brasil no século passado provavelmente teriam caído no olvido. O "russo", que podia ser romeno ou polonês, era o judeu que vendia a prestação; o "gringuinho", aquele que falou mal a língua do país, era reconhecido pelos trajes estranhos, talvez um boné, as mangas compridas, arredio, que não conseguia reconhecer o seu espaço, aquele que tentou viver aqui enquanto ainda se agarrava ao lá distante e insidioso.
"Gringuinho", personagem de conto com o mesmo nome do livro “Contos do Imigrante”, de Samuel Rawet (José Olympio, 1956), é hoje parte do universo cultural brasileiro. Considerado um dos 100 contos brasileiros mais importantes do século passado, foi e continua sendo analisado e estudado em escolas e universidades do país e também de fora. Matheus Nachtergaele reviveu em 2003 as dores e desencontros do imigrante judeu com a realidade na série “Contos da meia-noite”, produzida pela TV Cultura.
Tomara que estes esforços continuem a servir para que se entenda quão difícil e dolorosa foi a vida do imigrante. Rawet, Guinsburg, Kucinsky, autores imigrantes, foram alguns dos que perpetuaram as imagens dos que vinham em busca de uma nova vida. Tratamos hoje de um marco, o dia da imigração judaica. Qual, na verdade, foi o dia da imigração? O dia em que chegaram? Ou teria sido aquele em que embarcaram, sem saber que não voltariam mais? Quem sabe foi o dia em que as circunstâncias os fizeram assumir a difícil decisão: escapar da miséria, da discriminação e perseguição, concretizar a única opção, atingir a nova e distante terra. Um imigrante é também um emigrante e um expatriado. Ser imigrante engloba tudo isto, mais as dores, esperanças e alegrias.
Nem todos os escritos sobre imigrantes expressaram sofrimentos. Vários textos em ídiche, publicados nos anos 50, hoje praticamente desconhecidos, como o são os seus autores, testemunham que, ao mesmo tempo em que precisaram se aculturar de forma ampla, tanto à convivência com imigrantes judeus de origens e costumes variados, como aos novos padrões brasileiros, os olhos dos imigrantes perceberam o país também pela sua beleza, novidades e ambiente afetuoso. B. Gulka, no conto, "Maine ershte derfarunguen in der naier heim" (“Minhas primeiras experiências na nova terra”) faz referência à viagem e chegada ao Rio de Janeiro, ocorrida em 1927. Depois de narrar as primeiras sensações de conhecer no navio imigrantes judeus de outros países, comenta, a partir da chegada ao porto do Rio, a visão dos corpos de brasileiros, os portuários seminus que carregavam na cabeça pesados fardos e sacos de mercadorias, e a isto ele acresce a segunda impressão - a favela, o morro, a igrejinha. A enumeração dos portuários e de outros elementos serve para marcar o novo ambiente.
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Moacyr Scliar |
Extraído do sítio Judaísmo Humanista
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