Em entrevista exclusiva, o crítico literário Italo Moriconi fala sobre a reedição na íntegra da obra do poeta gaúcho pela Alfaguara. Por Fernando de Oliveira - Diário Regional.
Autor imprescindível na galeria dos principais mestres da literatura brasileira, o poeta gaúcho Mario Quintana (1906- 1994) está de volta às livrarias por meio de três livros: Canções, que também reúne A Rua dos Cataventos e Sapato Florido, Apontamentos de História Sobrenatural e A Vaca e o Hipogrifo.
Os lançamentos marcam o início da reedição da obra completa de Quintana pela Alfaguara, selo literário da editora Objetiva, que até 2014 publicará 18 títulos do autor, todos com prefácios assinados por escritores convidados (como Cíntia Moscovich e Antonio Carlos Secchin), mais as antologias Poemas Para Ler na Escola – Mario Quintana e Quintana Essencial.
Nesta entrevista exclusiva ao Diário, o curador desse projeto, o crítico, professor de literatura brasileira e comparada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e poeta carioca Italo Moriconi diz que “Quintana é um dos poetas mais lidos, mais amados, mais decorados do Brasil”.
“Falta a ele agora chegar mais perto das novas gerações de leitores adultos de poesia e é isso que pretendemos com a nova edição Alfaguara, sem descurar do potencial infanto-juvenil da obra. Mas é preciso recuperar o prestígio de Quintana como poeta completo”.
O poeta Mario Quintana na Praça da Alfândega, no centro de Porto Alegre, cidade que tanto celebrou em suas poesias |
DR – Poderia recordar como se deu o seu primeiro contato com a obra de Mario Quintana e qual foi sua impressão?
Italo Moriconi - Só me lembro que sempre gostei da poesia de Quintana. Mas não tenho a memória exata de quando se deu meu primeiro contato com a poesia dele. Depois de Drummond e Cabral, que foram os primeiros que li, ali por volta dos 17-18 anos, fui aos poucos mergulhando no universo da poesia brasileira, conhecendo Quintana, Cecília, Oswald de Andrade, Gonçalves Dias, em suma, todos os grandes poetas brasileiros. Faz tudo parte do pacote.
DR – Como avalia o papel da poesia de Quintana na história da literatura brasileira moderna?
Moriconi - Quintana é um dos grandes popularizadores da poética modernista, típica do século 20.
DR – Poderia falar um pouco sobre a poética de diferentes formas de Quintana, que jamais permitiu ser rotulado?
Moriconi - Quintana é mestre tanto nas formas convencionais pré-modernistas, como também muito criativo no uso do verso livre modernista, além de ter explorado microformas, como o miniconto e o haikai, sendo ainda um dos maiores autores de aforismos em nossa literatura, junto com um Millôr Fernandes, por exemplo.
DR – Alguns críticos consideram Quintana um poeta ecológico. Como vê essa definição?
Moriconi - Quintana escreveu vários poemas lamentando a transformação de Porto Alegre numa grande metrópole e expressando uma nostalgia da natureza e da paz dos arrabaldes antigos. Nesse sentido, houve quem visse nele uma preocupação ecológica. Não chega a ser um poeta ecológico, mas certamente preocupou-se com o tema.
DR – Mesmo quando abordava assuntos sérios, como a morte, Quintana encontrava um meio de colocar ironia em suas poesias. Qual sua visão sobre o humor desconcertante na obra de Quintana?
Moriconi - É um de seus traços mais característicos, mas a ele se associa muitas vezes certa melancolia. Tem portanto algo de chapliniano.
DR – Certa vez o poeta e escritor Armindo Trevisan disse que a tendência de Quintana pelo humor “prejudicou a assimilação de determinados aspectos do seu lirismo. E também da temática de sua poesia, que ficou restrita a alguns temas”. O senhor concorda?
Moriconi - Sim, acho que a poesia de Quintana merece uma releitura que preste mais atenção à sua multiplicidade de temas. Muitas vezes tenta-se restringir Quintana a uma posição meramente infanto-juvenil. Mas existe um erotismo latente e livre na poesia de Quintana, sem obscenidade alguma, diga-se de passagem, assim como existe uma componente fortemente elegíaca em sua poesia, caindo até mesmo num certo ceticismo. Quintana foi um poeta adulto para adultos, o que não impede seu aproveitamento infanto-juvenil. Um não contradiz o outro, assim como ocorre também com um Bandeira, por exemplo.
DR – Em Sapato Florido, Quintana lança mão de uma nova poesia, a da prosa sem verso e sem rima, diferente da prosa-poesia. Poderia comentar isso?
Moriconi - Quintana foi sem dúvida um grande praticante desse tipo de linguagem, que ele começou a usar no espaço do jornal e depois juntava em livros.
Mario Quintana: “A diferença entre um poeta e um louco é que o poeta sabe que é louco... Porque a poesia é uma loucura lúcida” |
DR – Na década de 30, Quintana foi tradutor de autores como Marcel Proust e Virginia Wolf. O que pensa sobre essa faceta do poeta?
Moriconi - Com esses trabalhos, Quintana inscreveu seu nome na galeria dos grandes tradutores de clássicos universais do século 20 no Brasil
DR – O que distingue o Quintana poeta do cronista?
Moriconi - O Quintana poeta é muito diversificado na exploração modernista de formas convencionais e formas modernistas estrito senso, mantendo-se sempre fiel ao verso. Já o cronista contamina sua prosa de aspectos poéticos. Em Quintana, a poesia invade a crônica e vice-versa.
DR – O senhor já disse que Quintana, junto com Manuel Bandeira e Cecília Meireles, forma o mais destacado grupo de “líricos puros” na poesia brasileira do século 20. O que diferencia a obra de Quintana da obra de Bandeira e Cecília?
Moriconi - Quintana já começou modernista, ao passo que Bandeira fez a transição de um verso pós-romântico para um verso modernista quase que de choque. Bandeira celebrou a libertinagem, ao passo que Quintana era um poeta do devaneio e da divagação. Cecília só aderiu completamente ao cânone modernista num poema longo que já não era mais lírico, e sim histórico, o Romanceiro da Inconfidência. Cecília, enquanto lírica, era a mais elegíaca e melancólica dos três. Quintana e Bandeira tinham em comum o humor. Bandeira era mais materialista e realista que Quintana. Bandeira e Quintana foram regionalistas, o primeiro celebrando seu Recife, o segundo sua Porto Alegre, mas Bandeira tem todo um lado carioca que Quintana não tem, pois permaneceu a vida toda em sua terra natal. No entanto, Quintana conseguiu a proeza de agradar a brasileiros de todos os lugares.
DR – Quintana poderia ser definido como um poeta autobiográfico?
Moriconi - Com certeza, como ele próprio afirmou várias vezes. Quintana escreve a poesia de um homem solitário, no entanto cercado de amigos e de amores vários. Era um solitário altamente sociável, talvez a melhor posição para o poeta autêntico. Mas é preciso enfatizar que o autobiográfico na poesia de Quintana é muito mais da ordem do existencial que da ordem de um certo factualismo descritivo, como encontramos num Drummond ou num Bandeira ou mesmo num Cabral. Num certo sentido paradoxal, portanto, Quintana acaba sendo menos autobiográfico que os outros três. Já uma Cecilia é uma poeta que de autobiográfico não tem nada.
DR – Hoje Quintana recebe o devido reconhecimento?
Moriconi - Acredito que sim. Quintana é um dos poetas mais lidos, mais amados, mais decorados do Brasil. Falta a ele agora chegar mais perto das novas gerações de leitores adultos de poesia e é isso que pretendemos com a nova edição Alfaguara, sem descurar do potencial infanto-juvenil da obra. Mas é preciso recuperar o prestígio de Quintana como poeta completo.
O crítico e professor carioca Italo Moriconi, curador da reedição da obra |
2012: Lançamento em Agosto: Canções (1946), seguido de Sapato Florido (1948) e A Rua dos Cataventos (1940), A Vaca e o Hipogrifo (1977), Apontamentos de História Sobrenatural (1976); Lançamento em Outubro: O Aprendiz de Feiticeiro (1950), seguido de O Espelho Mágico (1951), A Cor do Invisível (1989), Poemas Para Ler na Escola — Mario Quintana (organizado por Regina Zilberman); Lançamento em Novembro: Quintana Essencial (nova antologia, organizada por Italo Moriconi).
2013: Caderno H (1973), Esconderijos do Tempo (1980), Velório Sem Defunto (1990), Da Preguiça Como Método de Trabalho (1987), Preparativos de Viagem (1987), Antologia Poética (1985), O Batalhão das Letras (Infantil, 1987).
2014: Porta Giratória (1988), Baú de Espantos (1986)
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